Che – Os últimos dias de um herói mostra um mito sem tempo

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Che é um mito sem tempo. Embora historicamente situado – anos 60 – a figura do guerrilheiro se incorpora no cotidiano de militantes, políticos e posers do século XXI. No cinema e nos quadrinhos surgiram duas boas oportunidades de consumo da personagem: os filmes estrelados por Benicio Del Toro e a história em quadrinhos Che – Os últimos dias de um herói (Editora Conrad), do roteirista Héctor Oesterheld juntamente com os desenhistas Alberto e Enrique Breccia.

A perspectiva do quadrinho é fazer, como o título deixa claro, um retrato mítico do guerrilheiro. Acompanhando alguns trechos de sua vida na infância e nas guerras, mostras de sensibilidade e coragem fora do comum são articuladas por um texto poético e arte que mistura fotografias e colagens de ilustrações.

O livro é dividido em sete capítulos: Bolívia, Ernestito, O Porco, O Che, Sierra Maestra, Yuro e La Higuera.

Bolívia introduz aspectos poéticos, como o uso econômico de textos e de imagens numa síntese narrativa bastante poderosa e envolvente. Ao contar dos obstáculos enfrentados pela guerrilha que Che iniciou na Bolívia, Oesterheld escreve linhas que tentam falar diretamente à essência emocional dos acontecimentos, como está demonstrado no quadro três da página abaixo. Os Breccia, como Oesterheld, destacam de um fundo branco um quadro de bastante força expressiva.

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Neste capítulo também é notável a alternância de enquadramentos utilizada pelos Breccia. Os artistas recorrem a panorâmicas entremeadas por closes nos guerrilheiros ou nos antagonistas, sempre retratados com uma expressividade exagerada, e também se valem de repetição de uma mesma imagem em diferentes escalas de plano.

Em Ernestito, há um aprofundamento no lirismo dos textos, talvez porque se trata da fase infantil de Che. Neste capítulo, Oesterheld faz um exercício de fluxo de consciência, confundindo as passagens de narrador com os pensamentos de Che. Os recordatórios parecem versos de García Lorca: “A serra é azul e feliz. O brilho da mica, o sangue de verbena na pedra, o vento forte que embriaga. Riacho e rocha, diálogo cristalino”.

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Ainda aqui se percebe uso de fundos brancos. Em contraste com o preto da figura, os fundos brancos garantem a sensação de profundidade de campo.

A narrativa sempre entrecortada com os fatos iniciados no primeiro capítulo sempre deixa à vista que estamos caminhando para a morte do guerrilheiro – isso se estenderá até o final do álbum.

O capítulo O Porco apresenta os momentos e cenas formadores do espírito de Che. Aqui, texto e imagem aparecem numa equivalência de espaço difícil de ver nos quadrinhos. Sem o uso do requadro, o texto e a imagem estão no mesmo espaço e a visibilidade destes dois elementos é disputada. Texto e imagem são tão ricos que se tornam igualmente chamativos. Abaixo uma imagem da página 27, representante da estrutura típica das páginas deste capítulo e a página 31, com uma mudança na escala de plano para o Splash Page.

Página 27
Página 27
Página 31
Página 31

O Che tem uma estrutura bastante similar a do capítulo anterior. Nesta parte do enredo é realizada uma visão panorâmica da América Latina que demonstra as mazelas e como Che atua contra elas. A partir daqui é apresentado mais ferrenhamente a visão de Che enquanto mito. Ele é destemido face às injustiças sociais, mesmo enfraquecido pela asma. Fragilizada, mas sempre poderoso.

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O capítulo mais longo e mais importante, Sierra Maestra, pinta a revolução como campo de batalha onde os defensores de Cuba eram homens valorosos, e dentre eles, Che foi sempre o maior bastião cubano. De simples soldado Che vira comandante e organiza, além das guerrilhas, hospitais, escolas e jornais.

O fluxo de consciência na escrita se torna quase inexistente a partir desse capítulo. O texto sai do campo da formação de personalidade e passa a exaltar Che como uma figura altaneira. O fundo branco é abandonado pelo fundo preto que dá mais densidade às cenas, que envolvem momentos de risco da guerrilha. Muitos quadros trazem os documentos da época, como mapas e cartas, para dar verossimilhança ao momento histórico.

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Em Yuro e La Higuera são mostrados os últimos momentos de Che. A arte utiliza o escuro como elemento predominante nas ilustrações, que se tornam austeras e emblemáticas. Até o último momento Che se mantém firme em suas convicções e escolhe morrer em pé, com a fronte erguida, do que deitado como alguém que desistiu da batalha.  Algumas das melhores ilustrações de rostos estão nesse capítulo, havendo até mesmo experimentação com cartum nas expressões faciais. Os smileys, criados em 1963, são incorporados em expressivas ilustrações de rostos colombianos.

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É sabido que Che – Os últimos dias de um herói foi muito importante de três maneiras: para a Argentina dos anos 60, porque representou uma obra de resistência às ditaduras e em amor à América Latina (o que rendeu o assassinato de Oesterheld e recolhimento dos exemplares); é a primeira história escrita sobre Che (foi lançada três meses após sua morte, em 1968); e devido à vanguarda da simbiose texto/imagem e das técnicas empregadas em cada um deles – estilo que seria reapropriado apenas no meio dos anos 70 pela revista Métal Hurlant.

O aspecto mítico endossado na personagem, principal característica da obra, se torna bem sucedido através do lirismo bem dosado. Essa dimensão mitológica e emocional torna Che – Os últimos dias de um herói uma obra ainda sem igual sobre a vida daquele que é “do povo, efetivamente, e se recuperou entregando-se a ele”, nas palavras do ensaísta Martínez Estrada.

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Che é um mito sem tempo. Embora historicamente situado – anos 60 – a figura do guerrilheiro se incorpora no cotidiano de militantes, políticos e posers do século XXI. No cinema e nos quadrinhos surgiram duas boas oportunidades de consumo da personagem: os filmes estrelados por Benicio Del Toro e a história em quadrinhos Che – Os últimos dias de um herói (Editora Conrad), do roteirista Héctor Oesterheld juntamente com os desenhistas Alberto e Enrique Breccia.

A perspectiva do quadrinho é fazer, como o título deixa claro, um retrato mítico do guerrilheiro. Acompanhando alguns trechos de sua vida na infância e nas guerras, mostras de sensibilidade e coragem fora do comum são articuladas por um texto poético e arte que mistura fotografias e colagens de ilustrações.

O livro é dividido em sete capítulos: Bolívia, Ernestito, O Porco, O Che, Sierra Maestra, Yuro e La Higuera.

Bolívia introduz aspectos poéticos, como o uso econômico de textos e de imagens numa síntese narrativa bastante poderosa e envolvente. Ao contar dos obstáculos enfrentados pela guerrilha que Che iniciou na Bolívia, Oesterheld escreve linhas que tentam falar diretamente à essência emocional dos acontecimentos, como está demonstrado no quadro três da página abaixo. Os Breccia, como Oesterheld, destacam de um fundo branco um quadro de bastante força espiritual.

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Neste capítulo também é notável a alternância de enquadramentos utilizada pelos Breccia. Os artistas recorrem a panorâmicas entremeadas por closes nos guerrilheiros ou nos antagonistas, sempre retratados com uma expressividade exagerada, e também se valem de repetição de uma mesma imagem em diferentes escalas de plano.

Em Ernestito, há um aprofundamento no lirismo dos textos, talvez porque se trata da fase infantil de Che. Neste capítulo, Oesterheld faz um exercício de fluxo de consciência, confundindo as passagens de narrador com os pensamentos de Che. Os recordatórios parecem versos de García Lorca: “A serra é azul e feliz. O brilho da mica, o sangue de verbena na pedra, o vento forte que embriaga. Riacho e rocha, diálogo cristalino”.

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Ainda aqui se percebe uso de fundos brancos. Em contraste com o preto da figura, os fundos brancos garantem a sensação de profundidade de campo.

A narrativa sempre entrecortada com os fatos iniciados no primeiro capítulo sempre deixa à vista que estamos caminhando para a morte do guerrilheiro – isso se estenderá até o final do álbum.

O capítulo O Porcosplash Page. apresenta os momentos e cenas formadores do espírito de Che. Aqui, texto e imagem aparecem numa equivalência de espaço difícil de ver nos quadrinhos. Sem o uso do requadro, o texto e a imagem estão no mesmo espaço e a visibilidade destes dois elementos é disputada. Texto e imagem são tão ricos que se tornam igualmente chamativos. Abaixo uma imagem da página 27, representante da estrutura típica das páginas deste capítulo e a página 31, com uma mudança na escala de plano para o

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O Che tem uma estrutura bastante similar a do capítulo anterior. Nesta parte do enredo é realizada uma visão panorâmica da América Latina que demonstra as mazelas e como Che atua contra elas. A partir daqui é apresentado mais ferrenhamente a visão de Che enquanto mito. Ele é destemido face às injustiças sociais, mesmo enfraquecido pela asma. Fragilizada, mas sempre poderoso.

[digitalizar0038]

O capítulo mais longo e mais importante, Sierra Maestra, pinta a revolução como campo de batalha onde os defensores de Cuba eram homens valorosos, e dentre eles, Che foi sempre o maior bastião cubano. De simples soldado Che vira comandante e organiza, além das guerrilhas, hospitais, escolas e jornais.

O fluxo de consciência na escrita se torna quase inexistente a partir desse capítulo. O texto sai do campo da formação de personalidade e passa a exaltar Che como uma figura altaneira. O fundo branco é abandonado pelo fundo preto que dá mais densidade às cenas, que envolvem momentos de risco da guerrilha. Muitos quadros trazem os documentos da época, como mapas e cartas, para dar verossimilhança ao momento histórico.

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Em Yuro e La Higuera são mostrados os últimos momentos de Che. A arte utiliza o escuro como elemento predominante nas ilustrações, que se tornam austeras e emblemáticas. Até o último momento Che se mantém firme em suas convicções e escolhe morrer em pé, com a fronte erguida, do que deitado como alguém que desistiu da batalha. Algumas das melhores ilustrações de rostos estão nesse capítulo, havendo até mesmo experimentação com cartum nas expressões faciais. Como se explica, nos anos 60, o uso de ‘smileys’?

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É sabido que Che foi muito importante de três maneiras: para a Argentina dos anos 60, porque representou uma obra de resistência às ditaduras e em amor à América Latina (o que rendeu o assassinato de Oesterheld e recolhimento dos exemplares); é a primeira história escrita sobre Che (foi lançada três meses após sua morte, em 1968); e devido à vanguarda da simbiose texto/imagem e das técnicas empregadas em cada um deles – estilo que seria reapropriado apenas no meio dos anos 70 pela revista Métal Hurlant.

O aspecto mítico endossado na personagem, principal característica da obra, se torna bem sucedido através do lirismo bem dosado. Essa dimensão mitológica e emocional torna Che – Os últimos dias de um herói uma obra ainda sem igual sobre a vida daquele que é “do povo, efetivamente, e se recuperou entregando-se a ele”, nas palavras do ensaísta Martínez Estrada.

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3 Responses to Che – Os últimos dias de um herói mostra um mito sem tempo

  1. samuel barros disse:

    vc vai me emprestar este livro quando?

  2. bebel disse:

    quando eu tiver quem sabe
    mais se adquirir primeiro que eu
    ai vc me empresta???
    kkkkk
    um abraço samuel

  3. Che Goku disse:

    uou viva Che

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